A tônica frase, deveras vezes repetida, nos dá o rumo do que estaríamos prestes a vivenciar. Adaptar estórias, sejam quais forem as adaptações, sugere um grande esforço por parte do diretor. Adaptar uma novela, mais precisamente a trama O Duelo de Théckhov, para um espetáculo teatral levantam questões de como abordar uma trama sem perder sua essência. Antes de discutir sobre o espetáculo em si, permitam-me algumas considerações.
Adaptar significa antes de tudo, colocar nuances de quem adapta. Não é puro, não é genuíno. Aliás, a estória se passa na região do Cáucaso, um lugarzinho situado entre a Europa Oriental e Ásia Ocidental. Inicialmente tomada pelos turcos, ao longo dos anos sofreu uma russificação. Mas, o que isso tem a ver com nossa discussão? Vejamos...
O ambiente escolhido pela diretora Gerrgette Fadel para gerir o espetáculo não poderia ser mais peculiar: Três cidades do interior do Ceará, no sertão nordestino. Em linhas gerais, não, não, a peça não absorve cultura cearense, não versa nada sobre as características da região. Mais ainda, o vernáculo da linguagem da peça não diz respeito ao nordeste, tampouco ao Ceará.
Permitam que essa discussão seja retomada mais tarde, guardem a ideia.
O enredo do espetáculo se passa no Cáucaso, um lugar quente, inóspito e pacato. A perspectiva da peça se dá na visão dos diferentes personagens, algo muito característico em estórias de Tchékhov, muito bem representado na dramaturgia de Georgette. O texto conta as demasias e devaneios de Laévski e sua amante Nadedja (Camila Pitanga). Laévski é um funcionário público, um homem culto, de grande inteligência. Tal característica fundamental, o faz ganhar confiança das pessoas, tal como o médico militar, que por sua vez se endivida pedindo dinheiro emprestado.
Nadedja é uma moça bonita, casada e que foge com Laévski, posteriormente seu marido morre, ficando em um primeiro momento, livre para viver seu amor com Laévski. A partir daí, percebemos que Laévski cansado de viver no Cáucaso, acaba por não mais amar Nadedja. Deseja mudar de vida incessantemente. Não suporta mais viver no ostracismo do Cáucaso. Quer voltar para St. Petesburgo, nem que seja para “limpar chaminés”. As lamentações de Laévski são amparadas (nem sempre) por seu amigo, um médico militar, homem honrado, de grande inteligência. Deseja ajudar Laévski, do início ao fim. Muitas vezes questionado por Von Koren, um Zoólogo, vivido pelo grandiosíssimo ator Pascoal da Conceição, porque ajudar Laévski, já que ele não costuma cumprir com sua palavra. Aqui, é pertinente salientar o duelo de opinião entre Laévski, Von Koren e o médico. Perspectivas diferentes, contrargumentada com fervor por cada um. Diante de rodeios e devaneios dos personagens, deveras vezes amparadas dentro de uma visão histérica “a la Freud” caímos nas graças de Nadedja, que sensualiza diante da plateia. Cortejada por todos os homens do Cáucaso e levianamente, cai nos prazeres da carne. A peça “termina” (O acesso à peça ainda não estreada se deu por um ensaio aberto, que não estava concluído) com a descoberta de Laévski, Nadedja nos braços de outro homem.
A estória é instigante, os atores geniais. Camila Pitanga demonstra claramente que não é uma atriz montada para a Rede Globo. Devemos reverenciar o Pascoal da Conceição. Que grande atuação. Um mestre da dramaturgia, exercendo encantos, mesmo tantos anos após o inesquecível Dr. Abobrinha do Castelo Rá-tim-bum.
Retornemos, pois a discutir o início desta resenha. O porquê do interior do ceará? Vejamos, a linguagem é extremamente rebuscada, a dinâmica da peça é veloz, cada diálogo perdido representa uma perca irreparável, a estória se passa na Europa Oriental. Porque o interior do Ceará? Independente de qualquer argumento existe um legado a ser deixado. Tudo o que poderíamos refletir, se esvai na imensa possibilidade de trazer a tona aspectos esquecidos de um povo, sua cultura. O teatro é uma grande possibilidade de manifestação, mais que isso, é a possibilidade de vivenciar situações oníricas. Insistia Augusto Boal, o teatro é a voz de dentro, que clama para ser ouvida. Reverenciemos então, seja de quem for a ideia.
Hiure Gomes Almeida
Psicólogo e um mero aspirante a escritor
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